quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Vida e vida de um vivo funcional

"Gostaria de conhecer a cidade." - disse a prima Evelin, quando se aconchegou no sofá do 15° andar do Kentucky Building. Charles, que não tinha vontade alguma de se deslocar pela cansativa metrópole, tentou convencer a esposa Anna a cumprir o pedido. Em vão, pois ela já havia marcado uma reunião com dois representantes de uma franquia de relógios. Sem argumento, vestiu uma blusa e colocou os sapatos antes de indicar o caminho do elevador a Evelin que os levaria até o estacionamento.
Mal haviam deixado a garagem do condomínio quando Charles questionou sobre onde ela gostaria de ir. De surpresa, a moça pediu que ele parasse o carro imediatamente para que pudesse conhecer uma adega que viu pela janela. Dentro do local, que tinha cheiro de madeira velha, ela expressou vontade de beber uma taça de vinho. Sentaram-se nos banquinhos apertados e brilhantes do verniz semi seco e seu pedido chegaria em instantes. Uma taça de moscatel grego bem doce acompanhada de fatias de laranja e pedaços de cravos espalhados pelo pequeno prato. Quinze minutos se passaram até o último gole. Voltaram ao carro.
Enquanto Charles explicava que seus dias de folga eram raros e que geralmente os passava dormindo, Evelin, que não ouvia de verdade o que ele dizia, pediu para descer em frente a uma igreja velha. A porta altíssima branca e danificada pelo tempo estava entreaberta. O homem aguardou no carro enquanto a jovem desbravou o templo. Lá dentro, ficara sabendo que se tratava de uma construção de 1810 e ficou impressionada com a beleza da arquitetura. Quando questionou o primo sobre as vezes que ele já estivera ali, ouviu um "nunca" prosseguido de uma risada sarcástica.
Na parte velha do centro, desceram do carro e se puseram a andar, com diferenças notáveis no entusiasmo. Evelin entrou em uma loja de doces e comprou uma maça do amor coberta de confeitos coloridos. Sua boca parecia um arco-íris de tão suja pelos corantes divertidos.
Comprou um quadro de um viajante. Uma paisagem rural, crianças brincando e ao fundo um mundo todo em verde-escuro. Na livraria pediu postais da cidade para saber onde mais deveria ir. 
Enquanto seus olhos giravam pela calçada á procura de novidades, Charles olhava o relógio apreensivo, sem hora marcada para nada. Por um instante apenas parou e se perguntou porque não conhecia nada daquelas coisas que tinha visto naquela tarde. Era mesmo porque ele não queria. Nem teve tempo de raciocinar sobre sua vida, pois Evelin já o havia convocado para um museu e uma loja de antiguidades. 
Ela estava viva. Ele também, apesar de ninguém, nem sequer ele mesmo notar.

2 comentários:

Carol Nery disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carol Nery disse...

Se tivesse um pouquinho de palavrão seria um legítimo texto beat. Sei lá. Achei!
Muito bom, meu caro...
Te amo! Viva... Vivamos!!!!