sábado, 25 de julho de 2015

Arrá!

Tal como as borboletas os humanos sonharam com as asas, que lhes permitiriam tanto, e tanto. Descer as ruas do céu para o chão, esquerda, direita, esquerda, descendo e mirando janelas, luzes acesas. Tantas janelas, tantos olhos na noite escura. Um simples esforço contra a brisa e ganhamos a direção, sentido.
Imagine-se um ser invisível, feliz, sem nenhum escrúpulo ou vergonha. Passeia, corre, imita Chaplin em toda esquina, canta na chuva debaixo do sol. Grite Arrá! por todos os cantos, sereno e incalculável. Ninguém sabe onde você está e nem pra onde vai. Entre em bares, sente-se em bancos vazios que continuarão vazios, peça uma bebida que não virá. Chame uma bela moça de um nome feio, e peça desculpas depois pela ofensa que ela nunca soube.
Então finja-se de borboleta agora e suba sobre os carros, caia no chão como uma ginasta, pés juntos e sincronizados, espere os aplausos, feche os olhos, escute os aplausos e agradeça a ninguém. Saia correndo na faixa central da pista. Imite seus personagens favoritos dos desenhos animados. Faça uma folia que nem o cego verá.
Não tente descobrir agora se está sonhando, vivendo ou amando. É dispensável conhecer tudo. Arrepie-se de frio e de calor. Faça isso até ficar exausto e pare. Olhe para tudo que lhe contorna e sorria, continue fazendo o Arrá! sem parar, não se deve parar.
Vá até a próxima praça e mergulhe sem se molhar no chafariz. Finja bater na água com as palmas das mãos, abrace a estátua, aposte corrida contra um idoso lento, urine nas roupas, encontre toda a loucura que fica perdida e guardada em uma gaveta que nunca se abre. Seja a imagem do que você jamais seria. Sempre nos sonhos, viva. Não se pode fugir da natureza, nem da de Deus nem da sua. Você pode até correr, mas sem tropeçar em cravos que vão lhe machucar e ativar a chave da realidade que você ama, finge subverter, quer sair e voltar, sonhar loucuras, mas jamais esquecer.

domingo, 1 de março de 2015

Páginas úmidas

As botas cheias de água fazem barulho engraçado. Vai pegar gripe, avisaram. Dane-se, na mente respondeu. E agradeceu.
Os calos ainda doem mas fazem parte do que é. Mancar se tornou exercício diário, sem esse medíocre costume o mundo pareceria igual a antes.
O livro debaixo do braço está molhado, não todo, claro, as pontas e algumas páginas salpicadas de pingos de chuva e café derramado.
O caminho para a gráfica é nauseante demais para andar olhando para frente, encarando as faces tão isoladas e únicas dos caminhantes. Dobra então o pescoço e se desvia de buracos e galhos. Das poças já não se dá o trabalho.
Adora barulho de pratos, daqueles agudos, batidos e rebatidos, colocados um acima do outro, sujos, limpos, ensaboados. Não se importa com uma marca de batom ou café seco na sua xícara. Acha até que ninguém deveria se importar.
A professora do lado perguntou se ele não se importa em molhar o livro. Ele responde que não gosta, mas não tem escolha. Se ele precisa ler, ele precisa. É como respirar. Um caminhão sem filtros que passa pintando a rua de preto não vai impedí-lo de puxar o ar. Está acima dele, do que tem direito a escolher. As páginas molham e podem secar. A vontade que marcha junto ao sangue pode lhe matar, ou ao menos ele acredita nisso.
Do que adianta se desviar do que é no amanhecer do dia se você não passa do que é?
Melhor um livro de páginas ruídas do que novo feito vinho ruim.
Melhor um homem que se molha e se estraga do que um limpo, uma página em branco sem nada para contar.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Que tem o tempo a ver com meu tempo

Invernos que queremos. Frio. A chuva que cai e nos deixa mais transparentes. Não quero mais ser talhado pela felicidade dos dias limpos, da imposição do sorriso franco de um dia que remete a praia.

Do oceano só desejo a distância de tudo.
E seu azul que contrasta com o cinza interior.

Não podemos escolher como amanhece o céu. Vivemos o que a roleta do tempo disser. Reservas de agonias para o sol que aquece a desagradável corrente das monções. Esperamos o gelar de nossos instintos para que nos aproximemos do que somos.

Do sol aprecio os reflexos em janelas semicerradas. Raios que escapam à escuridão e formam linhas tontas em paredes brancas.

E esta é a razão de termos ambos. Sofrimento total é opção. Agruras sazonais são compulsórias. Somos escravos do tempo, e nossa emoção também.