quinta-feira, 12 de setembro de 2013

A laranja e o morro

Quando todas emoções da noite já haviam prometido uma trégua eis que surge a tentação no caminho, a vontade iminente, o impulso necessário a toda forma de sedentarismo. A ladeira já facilita o trajeto, basta flexionar os cansados joelhos e desviar das calçadas inexistentes. 
Depois da quadra da rua que passa o caminhão do lixo, árvores frutíferas se estabelecem no acostamento, e como manda a natureza, depois de maduras seus frutos caem como gotas de tinta no asfalto cinza. Um, dois, sete passos e lá está ela. Uma laranja colocada como pelota em marca do penal. O andante se aproxima e apenas curte o saltitar da fruta percorrendo a via sem carros.
Ela insiste em caminhar mais alguns metros e se exibe novamente, quase pedindo. O chute desloca a fruta como uma pedra rolando de um penhasco, e perde-se de vista, talvez tenha passeado para o outro lado da pista, onde não me arriscaria. Mas não. 
No único carro estacionado ela namora de longe o tênis sujo que se aproxima, flexiona os gomos, segura as sementes e gol. Desta vez foi mais forte, e ela rola no centro da rua, sem vontade de parar. 
Como já estava sem uso nesta vida, sem compor nenhuma salada ou participar de um suco de frutas cítricas, viu seu destino ser mudado algumas vezes, e na sua doce (ou azeda) inconsciência de ser colheita da terra, alimento inerte, pôde fazer o que muitos que respiram e pensam não podem: sair do lugar, nem que fosse a pontapés. Saiu de seu fim da linha pra morrer podre como todas, porém longe, pois nem laranja no chão tem dia seguinte cravado.

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