terça-feira, 5 de agosto de 2014

Cada estrela um olhar


As férias na casa dos tios terminaram. Hora de voltar para a casa que outrora tanto causava excitação e alegria. Onde as brincadeiras eram intermináveis, onde o carpete da sala era o quintal mágico, as escadas se transformavam em montanhas e a garagem uma caverna escura e assustadora para se esconder.
Hoje a casa é uma casa, tem janelas, portão, porta e porão. Não tem sorrisos nem diversão. E o papai não ficava feliz em deixar todas as noites a menina de sua vida sozinha, solitária, única. O trabalho na usina foi a melhor chance em anos, e era preciso um sacrifício em nome de uma vida mais digna.
Na primeira noite do retorno, papai fez seus ovos mexidos, espremeu as limas e dobrou duas vezes o guardanapo. Agora comia sempre na sala, com a TV ligada, pois tudo andava muito quieto por lá.
Já de roupa trocada, fez sua garrafa enorme de café, jogou as chaves na bolsa e subiu rapidamente até o quarto de Lazy. Encontrou a menina com o quarto quase escuro, apenas com a fraca luz do abajur acesa. Perguntou a ela se estava bem. Ouviu o silêncio.
De forma carinhosa e cuidadosa, se aproximou e pediu a ela um favor. Que fosse até a janela durante um tempo e olhasse as estrelas, e que imaginasse todas como espelhos, que refletiam o mundo cá embaixo. Disse a Lazy que, assim como ela podia ver as estrelas, pessoas do mundo todo também podiam. Se ela pensasse nisso conseguiria ver em cada estrela um olhar para o céu, e dessa forma não poderia estar só. A menina seguiu contrariada, ganhou um beijo do pai e contou os passos e instantes até se encontrar de vez sozinha na casa.


Sem qualquer expectativa, levantou da cama e foi até a janela. Olhou para o céu e viu diversas estrelas, centenas, milhões e incontáveis. Agradeceu que o pai não pediu a ela que as contasse, como fazia anos atrás, pois isso havia custado a ela uma noite toda de sono, o fracasso da missão além de uma grande dor de cabeça.
Mal percebeu quando não conseguia mais parar de olhar para o céu, e tentar pensar em toda essa gente fazendo a mesma coisa. E se elas fossem espelhos? Conseguiu imaginar várias crianças, adultos, cidades, rios escuros e animais. Se perdeu no meio de tantas companhias. Se perdeu tanto que dormiu, na poltrona que colocou sob a janela para continuar a olhar para todos que, junto com ela, deixavam aquela noite menos solitária e bem mais estrelada.
No dia seguinte levantou mais feliz e foi brincar no quintal, e desde então nunca mais se sentiu abandonada nas noites, mesmo que fosse a única estrela no mundo.

Um comentário:

Unknown disse...

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